sábado, 2 de abril de 2011

Infância

Perambulo pela casa, perdido em minha própria ignorância de não saber ser outra coisa que não aquilo que me mostra o espelho. Jogo rápido, um lá outro cá, a minha imagem desconfia do ser que lhe dá origem, eu mesmo, em carne e osso. Quantos serei, afinal? A clássica cena do sujeito em frente ao seu reflexo, indefectível nos filmes, uma conchinha com as mãos formando um reservatório, a água ali, vertendo da torneira, e dali para o rosto, empalidecido. As ideias, não obstante a repetição maquinal de um projeto de cena, persistem confusas. No que me tornei? Lembro que costumávamos correr, - eu e este corpo que me olha, agora barbudo -, esfolar os joelhos, andar de bicicleta. Brincávamos também de contar até 50, omitindo sempre os números ímpares, de maneira a apressar o tempo enquanto observávamos furtivamente, pela fresta entre um dedo e outro, o esconderijo dos pequenos meninos, meus amigos. Lá vou eu! Posso olhar? Aonde foram? Prefiro não secar o rosto, mesmo que esteja a pingar. Prefiro deixar de ser caricato e cinematográfico. Tantas predileções, inúmeras coisas a dizer àquele rosto impassível. Silêncio. Aos humanos, deveriam ensinar a fugacidade do tempo, a limitação das possibilidades humanas, e não o contrário. Tens pouco tempo e, dentro deste limitado espaço, terás poucas chances. Não é possível estar em vários lugares simultaneamente. Não é possível encontrar todos aqueles meninos ainda escondidos no topo das árvores, a imitarem macacos, a encontrarem-se pontualmente todo dia às 2 da tarde em frente ao campinho de futebol. Somos, o sujeito refletido e eu, muitos, mas cada um a seu tempo. Crescemos. Já não corremos mais. Não trocamos mais figurinhas. Não andamos mais em bandos, não temos mais um alfabeto próprio e restrito, inatingível aos demais. Perdemos a certeza do encontro marcado, da presença infalível, do compromisso inadiável, do simplesmente estar por estar, não sendo preciso mais do que isso para se ter uma boa tarde. Posso olhar? Aonde foram? Aonde fui? A brincadeira acabou. O rapazote não espera encontrar mais ninguém, não olha mais para as árvores, mas ainda assim é incapaz de contar até 50 sem olhar por entre as frestas, sem ansiar por descobrir tudo antes do tempo. Não sei onde estou. Não sei onde estão. Tu és um homem angustiado, diz-me o meu reflexo. E nisso ainda não me tranquilizo, mas me sinto reconfortado. Uma coisa já sei: Cresci, sou homem.

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