domingo, 1 de maio de 2011

Da bebida.

E quanto mais desnorteada e desamparada, mais ela acha que é amor. E aí ela não se aguenta, precisa fazer uma ligação, está frágil, bêbada, tem fumaça impregnada nos cabelos, o som enclausurado nos ouvidos. E então puxa o telefone da bolsa, acha o número dele na agenda, não quis apagá-lo, mesmo jurando jamais o procurar novamente, filho da puta. E nisso uma voz sexy e artificial a recebe do outro lado da linha e lhe diz para deixar o recado após o sinal, e embora não seja sua atitude costumeira, ela deixa, diz tudo, eu te amo, me liga, vem me buscar, foi um erro. E aí, imediatamente após dizer o que foi dito, ela reconhece estar perdendo a compostura, a decência: Se não partir logo acabará dormindo com um medíocre qualquer, que a fará gozar ou vomitar, não há diferença alguma, pois no fim tudo será alívio momentâneo, o vômito ou o sujeito dormirão como corpos estranhos em seu lençol, em sua cama, e dos dois gostará de livrar-se o mais rápido possível. Então ela paga sua conta e sai, entra num táxi, eu te amo, repete baixinho, não sabendo dissimular sua inaptidão em viver só, a mulher moderna, independente, sair, beber e arrecadar por diversão olhares que não lhe interessam, bancando a voluptuosa, a moça lasciva que flerta com todos, mas não é de nenhum. Mentira, pois naquele momento ela é, maldito coração vagabundo, a falta pesa, o coração padece com a inexistência de um homem feito à semelhança de outro, alguém atraente, esquivo e arisco, sem tanto adorno, porém não desleixado, imberbe, sem aqueles olhos tão explícitos e devoradores, de jeito manso e carinhoso, esse homem único cuja ausência foi sentida lá, no bar, na embriaguez. Agora, no clímax da aflição, ela diz para o motorista do táxi que o ama, não, não ele, mas o homem para quem ela está ligando outra vez mais, atende, porra, seu filho da puta, te corto o pau fora, e nisso o motorista está assustado, informa-lhe o valor da corrida e pede que saia, acabou. E aí ela desce do carro, esse não era o destino final, está perdida, literal e não literalmente, disposta a culpar a porra da vida do caralho, e aí pensa que o ama ainda mais, pois está afogada em angústia, no meio de um nada negro, as janelas dos prédios fechadas, a noite quase indo dormir, a batata da perna doendo, a maquiagem diluída em choro, mais sujo, mais vazio, mais embriaguez, mais solidão, mais amor, e aí ela jura que se tivesse em mãos uma gilete gravaria, a cena dramática dos desiludidos, o nome dele em sua pele, para que fosse visto por todos o amor visceral que sente, amor da bebida, da madrugada, da desilusão, do que era pra ter sido e não foi e nunca será, por ser, justamente, o amor que só desponta no martírio de uma noite fracassada.

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